sábado, 30 de outubro de 2010

ENTREVISTA COM FREI BETTO

Texto retirado do blog MCM:


Segue abaixo a entrevista realizada com o Frei Betto:


Frei Betto é frade dominicano e escritor. Estudou jornalismo, filosofia, antropologia e teologia. É assessor de movimentos pastorais e sociais.


MCM - Existe espiritualidade no mundo pós-moderno?

Frei Betto: Muita. Após a crise das ideologias libertárias, com a queda do Muro de Berlim, muitos buscam na fé um sentido para as suas vidas. A espiritualidade precede, historicamente, as religiões. Estas existem a partir do século VII a.C. Já a espiritualidade é conatural ao ser humano, essa busca de se transcender e de se deixar impregnar-se de Deus.

MCM - Qual é lugar dos pobres no sistema atual e na igreja brasileira?

FB: Os pobres são os grandes excluídos do sistema capitalista. De 6,5 bilhões de pessoas que povoam o nosso planeta, 4 bilhões são pobres ou miseráveis. Para eles o capitalismo fracassou. Por isso, se queremos erradicar a pobreza, que é fruto da injustiça e não da vontade de Deus, temos que mudar esse sistema, buscar o ”outro mundo possível”.
Os pobres sempre reconheceram na Igreja o seu lugar. Na Católica, eles encontram espaço, sobretudo nas Comunidades Eclesiais de Base, que acabam de celebrar seu 12º encontro em Porto Velho (RO). Isso também acontece nas evangélicas, em especial nas igrejas neopentecostais, nas quais eles também se sentem em casa, atraídos pela esperança de milagre imediato e de prosperidade fácil.

MCM - O socialismo continua sendo a melhor alternativa?

FB: Fora da partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano, a humanidade não tem futuro. Não é humana uma sociedade que concentra 80% de suas riquezas nas mãos de apenas 20% da população. À essa partilha denomino socialismo, um sistema no qual os direitos sociais estão acima dos pessoais, no entanto, sem negá-los.

MCM - A política brasileira tem sido sacudida pelos recentes escândalos no Senado. Na sua opinião, quais seriam as possíveis soluções para essa crise?

FB: A solução está na reforma política, que impede que pessoas sob inquérito ou processo judicial possam se candidatar, obrigando transparência nas contas públicas, fortalecendo os movimentos sociais para que eles interajam com o governo, criando mecanismos de controle popular do Estado.

MCM - Vemos uma juventude desinteressada nas questões referentes à religião e à política, as instituições que lidam com essas questões são responsáveis por essa crise política que vive o Brasil?

FB: De certo modo sim, mas a grande responsável pela alienação da juventude é a mídia, que, por sua vez, está mais interessada em vender produtos que anuncia do que informar e formar. Hoje o shownalismo supera o jornalismo…


MCM - Uma pequena reflexão para finalizar.

ORAÇÕES

Frei Betto

Pai-Nosso Pai-nosso que estais no céu, e sois nossa Mãe na Terra, amorosa orgia trinitária, criador da aurora boreal e dos olhos enamorados que enternecem o coração, Senhor avesso ao moralismo desvirtuado e guia da trilha peregrina das formigas do meu jardim,

Santificado seja o vosso nome gravado nos girassóis de imensos olhos de ouro, no enlaço do abraço e no sorriso cúmplice, nas partículas elementares e na candura da avó ao servir sopa,

Venha a nós o vosso Reino para saciar-nos a fome de beleza e semear partilha onde há acúmulo, alegria onde irrompeu a dor, gosto de festa onde campeia desolação,

Seja feita a vossa vontade nas sendas desgovernadas de nossos passos, nos rios profundos de nossas intuições, no voo suave das garças e no beijo voraz dos amantes, na respiração ofegante dos aflitos e na fúria dos ventos subvertidos em furacões,

Assim na Terra como no céu, e também no âmago da matéria escura e na garganta abissal dos buracos negros, no grito inaudível da mulher aguilhoada e no próximo encarado como dessemelhante, nos arsenais da hipocrisia e nos cárceres que congelam vidas.

O pão nosso de cada dia nos dai hoje, e também o vinho inebriante da mística alucinada, a coragem de dizer não ao próprio ego, o domínio vagabundo do tempo, o cuidado dos deserdados e o destemor dos profetas,

Perdoai as nossas ofensas e dívidas, a altivez da razão e a acidez da língua, a cobiça desmesurada e a máscara a encobrir-nos a identidade, a indiferença ofensiva e a reverencial bajulação, a cegueira perante o horizonte despido de futuro e a inércia que nos impede fazê-lo melhor,

Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e aos nossos devedores, aos que nos esgarçam o orgulho e imprimem inveja em nossa tristeza de não possuir o bem alheio, e a quem, alheio à nossa suposta importância, fecha-se à inconveniente intromissão,

E não nos deixeis cair em tentação frente ao porte suntuoso dos tigres de nossas cavernas interiores, às serpentes atentas às nossas indecisões, aos abutres predadores da ética,

Mas livrai-nos do mal, do desalento, da desesperança, do ego inflado e da vanglória insensata, da dessolidariedade e da flacidez do caráter, da noite desenluada de sonhos e da obesidade de convicções inconsúteis,

Amemos.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Goiás foi descoberto pelos bandeirantes ou foi ocupado?

Trecho do livro Retrospectiva Histórica de Goiás: Da Colônia à Atualidade . Escrito por Cibele de Souza e Maria Esperança F. Carneiro

Goiás, na época das bandeiras, já era habitado por tribos indígenas numerosas [...] as comunidades primitivas goianas viviam em pequenas tribos, assentadas sobre a propriedade comum da terra e unidas pelos laços de sangue [...] eram indivíduos livres, com direitos iguais, que ajustaram as suas vidas às resoluções de um conselho formado democraticamente por todos os adultos, homens e mulheres da tribo. O que era produzido em comum era repartido com todos e imediatamente consumido.

O homem primitivo não acreditava em Deuses; sua religião baseava-se nas forças difusas que impregnavam tudo o que existe [...] As comunidades primitivas, apesar de não chegarem ao processo de acumulação de bens, centravam a formação de seus membros “ no dever ser e não no dever ter” [...] Havia tribos dóceis e amigas no primeiro contato, mas que não se sujeitavam á lógica do explorador [...] As tribos indígenas brasileiras resistiram durante três séculos à escravidão.

Em Goiás, a descoberta do ouro levou a disputas territoriais [...] os colonizadores acabavam sempre massacrando as tribos indígenas, ora tomando suas terras, ora depredando a natureza, ora levando doenças, ora tentando escravizar os índios, aniquilando-os.

[...] O Estado de Goiás foi descoberto pelos bandeirantes ou foi ocupado?

A partir das primeiras bandeiras, estabeleceu-se a luta pela posse da terra entre brancos e indígenas [...] as tribos indígenas sofreram constantes ataques por parte dos mineiros[...] A colonização do Centro-Oeste levou a lutas irreconciliáveis, entrando num processo de extermínio dos índios, caracterizando a posse efetiva da terra pelo colonizador europeu que, como explorador das riquezas naturais, transforma a terra conquistada em fonte de poder econômico e político.

Como afirma o sociólogo Florestan Fernandes, os indígenas,

Nos limites de suas possibilidades, foram inimigos duros e terríveis que lutaram ardorosamente pelas terras, pela segurança e pela liberdade que lhes eram e continuam sendo arrebatadas conjuntamente. Contudo, o desfecho do processo foi-lhes adverso. Mas nem por isso deve-se ignorar que esse processo possui duas faces. Nós temos vivido na face que engrandece os feitos dos portugueses. Se houver, porém, heroísmo e coragem entre os brancos, a coisa não foi diferente do lado dos aborígenes. Apenas o seu heroísmo e a sua coragem não movimentaram a história, perdendo-se irremediavelmente com a destruição do mundo em que viviam.