segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O Fluxo da Maioria

Escrito por: Gito


Toda unanimidade é burra, dizia o saudoso poeta das palavras amargas, Nelson Rodrigues.

A massa percorre um caminho sistemático. Embasada pelas ondas da mídia e da moda, guiada pelos ídolos teens, dá as mãos ao conveniente e ao politicamente correto, ao status quo, faz jus às propagandas de refrigerante, e marcham sem rumo, mas não sem ritmo.

Essa geração nasceu prematura, os filhos da modernidade acostumaram à incubadora. Parece que gostam desse ambiente cercado de vidros, de cuidado e de sondas. Essa geração apresenta os sintomas da gripe: indisposição, dor no corpo, tosse e febre.
Indisposição com tudo que exige algum esforço. A incubadora os acostumou a receber tudo com facilidade. Dor no corpo, segundo a analogia de São Paulo, o apóstolo cristão do primeiro século que dizia que a comunidade de fé é como o corpo humano, uns membros necessitam de outros e não há qualquer um que seja insignificante. Bom, isso não acontece com esse “corpo moderninho”. Aqui, alguns membros são insignificantes. Amputam-lhes. E o corpo sofre a conseqüência com as dores intermináveis de tal operação e do mau funcionamento do que sobrou. Usando a analogia paulina, estamos nos decepando. Tosse é o que produzimos e vendemos. Vendemos tosse. Há tosses bonitas e feias, quem tossir com mais sequidão na garganta ganha mais dinheiro, é uma tosse que deveria ser considerada feia e incômoda, mas não, pois dá lucro. Na pós-modernidade, influencia mais quem tosse seco. Não querem um xarope expectorante, ele levaria embora a tosse e os lucros. Febre gera nossas alucinações. Nelas pensamos que somos super poderosos, que nossos canhões importam mais que nossas florestas, que há raças inferiores, que beleza importa mais que virtudes, que amor é tema de novela.

Então quem não está inserido no sistema precisa se readaptar as condições da massa ou abrir mão dessa readaptação para uma vida em caminhada pela contramão. Thoreau, o escritor americano disse que se um homem marcha diferente do dos seus companheiros, é porque ouve outro tambor. No entanto, a massa chama esse homem de surdo e de burro.

Assim surgem os hereges, os loucos, os poetas, os místicos, os palhaços, os viciados, os camponeses sem terra, os pecadores, os voluntários, os velhos, as crianças, os fracos, os foragidos, os perseguidos, os famintos, vindos de toda a parte para viver fora dos muros da cidade e nas cavernas.

Nomes com que a massa chama a todos estes. Do lado de fora do muro, cada qual deve ser chamado pelo nome. Não há o que ele faz, o que ele representa, como ele se apresenta, mas quem ele é.

No livro bíblico primeiro de Samuel, no capítulo 22, há o relato dos que se reuniam na Caverna de Adulão. Homens endividados, em aperto e todos os amargurados de espírito que se juntaram a Davi, que se fez chefe deles, quando este também fugia do rei Saul que estava louco e planejava matar a Davi por inveja e medo de perder o poder. Esses homens foragidos formaram um exército poderoso. O povo chamava alguns heróis de guerra de “Valentes de Davi”, eram parte da guarda real, segurança pessoal do então Rei Davi, e estiveram com ele na Caverna.

Os homens excluídos da sociedade agora eram heróis do povo. Os que viviam amedrontados em cavernas agora cuidavam da segurança do palácio. Mas, o que eu quero frisar é que não mudou de povo, não era outra população. O povo na sociedade em que tais homens foram excluídos era o mesmo povo na sociedade que os tinha como heróis.

Eles se posicionam conforme lhes cabem. Uma adaptação social. Mudam os reis e governos, mas o povo continua apoiando a quem quer que seja. São unânimes diante de qualquer governança.

Os que se opõem são lançados para fora das cidades, para as cavernas e o povo lhes atribuem nomes.

O povo assiste e torce para aquele que está vencendo. Para o convincente. São politicamente corretos. A unanimidade é burra.

Nessa realidade há três posições: Aqueles do lado de lá dos muros, os poderosos e a massa de espectadores que apóiam os poderosos com aplausos, comentários unânimes e anônimos.

Posicionar é se expor. Esses são os unânimes. Se expor é tomar posição. Esses são os anônimos.

O politicamente correto trata-se de um individuo que não dá passos que não sejam pensados, avaliados, medidos. Cada gesto dele carrega significado, cada opinião dele tem implicações pro bem ou pro mal, e às vezes, pro seu próprio mal se ele andar num curso diferente daquele que significa o fluxo da maioria. O politicamente correto, portanto, examina, olha vê, Ele é um homem de bem, ele é um sujeito extremamente preocupado com os movimentos dele, com os gestos dele. Ele valoriza a auto-preservação. Por isso, ele não se posiciona de maneira que não lhe preserve, que não lhe transmita a sensação de segurança e de conformidade. Ele não se move se não estiver seguindo a marcha da massa.

A marcha da massa. O fluxo. Vão sem saber para onde vão. Não importa. Para eles, o que importa é estar no meio da multidão e muito bem adaptado a ela.

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